A
crise da ignorância
Quando
vemos jovens comprando soluções imediatistas para a atual crise
brasileira, é hora de pensar em como nossa escola trabalha conceitos
básicos sobre a organização social. Nossos estudantes aprendem a ir
à raiz do problema? Aprendem a problematizar ou apenas compram
soluções vendidas a granel nas redes sociais, nas rodas de boteco?
Há inúmeros conceitos como as teorias naturalistas e
contratualistas sobre a origem da sociedade que merecem mais destaque
na formação dos nossos jovens. Serão os adeptos do golpe
militar
ou de Bolsonaro, simpatizantes das ideias absolutistas de Hobbes?
Bem,
uma coisa de cada vez. Vamos nos centrar na questão da finalidade
social. Vamos assumir que a sociedade
é um consórcio instituído com uma finalidade clara: o bem comum,
o bem da maioria. Não à toa, se diz que quando uma sociedade
promove o bem apenas de uma parcela de seus integrantes, ela está
mal organizada,
“afastada dos objetivos que justificam a sua existência.”.
Afinal, se é para viver cada um por si, não faz sentido suportar as
inconveniências de viver sob regras que nos tolhem a
individualidade.
No
entanto, o que é o bem comum? Esse conceito não se materializa na
mesa de um presidente, por exemplo, como algo acabado e pronto. Para
se chegar a decisões que afetem positivamente a maioria, é preciso
que a sociedade ouça todas as demandas particulares. Para ser
ouvido, um indivíduo ou um grupo de indivíduos precisa se
manifestar em conjunto, de forma reiterada (repetida), obedecendo a
uma ordem e sua demanda precisa se adequar ao momento histórico e às
necessidades da maioria. É da análise dessas vontades que vão sair
as decisões para o “bem comum”, ainda que não coincidam
com a vontade de fulano ou sicrano.
No
entanto, em uma sociedade com tanta diversidade, como é possível
essa manifestação?
Uma boa analogia pode ser feita com a natureza. Se observarmos uma
floresta, veremos quanta variedade co-existe em um pequeno espaço. São
plantas, fungos, bichinhos... todos convivendo de forma harmoniosa.
Como isso é possível? É, porque os movimentos ali são ordenados e
obedecem a determinadas leis. Podemos dizer que todos ali reivindicam
o seu lugar ao sol. Ou longe dele, dependendo o ser. Mas todos sabem
que, para uma demanda ser atendida é preciso que ela seja feita de
forma conjunta, insistente, deve seguir uma ordem e é preciso que
ela seja adequada. Afinal, uma andorinha só não faz verão.
Ao
pé das grandes árvores,
há sempre mudas pequenas. E elas vão continuar ali até que uma
árvore grande caia e abra espaço e acesso à luz. Quando isso
acontecer, haverá uma disputa entre as pequenas mudas para saber
qual delas vai se erguer acima das outras. A natureza tem suas leis.
Crescerá a mais saudável, a mais bem localizada, a maior, a mais
apta. E as outras esperarão até que sua vontade de ser grande seja entendida como um bem à floresta. Isso vai acontecer, ou não no momento adequado. Essa
lógica muda quando uma planta ou animal de outro ecossistema invade
aquele sociedade.
O invasor não conhece as leis dali, não tem as limitações
impostas àqueles indivíduos. Ele não espera e se espalha à custa
do conforto e da vida dos demais.
E
em nossa sociedade? Quem cumpre esse papel da natureza? O Estado. A
sociedade
delega a um poder concebido socialmente a prerrogativa de arbitrar
entre duas vontades qual deve
prevalecer. Para isso, a
sociedade
conta com ferramentas de controle social, que atuam nos casos de
conflito. A moral e a religião são dois desses instrumentos.
Funcionam. Mas estão longe de dar conta de toda a demanda e de
maneira justa.
Assim,
quando o Estado decide que vontade
prevalecerá, não tem ele a pretensão de estar instituindo a
verdade ou o certo mas, com bases em leis previamente definidas, de eleger quem teria prioridade. O Direito é a ferramenta acordada
numa sociedade
como a nossa como sendo o mecanismo mais eficiente para arbitrar
conflitos. Ele regula as prioridades e deveria fazer tudo funcionar
em harmonia. Mas nem sempre é assim. Isso porque, ao contrário das
plantas, não queremos sempre o mesmo na mesma ordem. Porque
evoluímos. E o Direito não evolui com a velocidade que cada
indivíduo considera adequada. As leis estão sempre atreladas a um
momento histórico e cultural. Dessa forma, o Direito se
alimenta de influências dos costumes em voga. Assim, uma
reivindicação ignorada por ser considerada
inadequada em um tempo, pode ser cabível em outro.
Então,
a sociedade só atende demandas
que visam ao bem comum e isso está atrelado ao que a maioria
considera adequado em um dado tempo e cultura. Isso quer dize que eu
tenho de esperar que minha demanda seja considerada adequada? De
certa forma, sim. Mas isso não significa imobilismo. Costumes mudam
por força da ação e dos hábitos dos indivíduos. A demanda, por
exemplo, pelo divórcio em 1950, seria rejeitada pelo Estado. Mas em
1980, aceita. Foi a ação conjunta, reiterada e organizada
de parte da sociedade que fez com que o Estado concluísse, em 1979, que o divórcio era uma vontade cujos efeitos, ainda que
contrários a preceitos religiosos e morais, levariam ao Bem Comum.
Conclusão:
erramos ao não conhecer os mecanismos sociais. Erramos ao optar por
soluções fáceis como simplesmente depor um presidente. Crises como
a atual deveriam nos levar a, conjuntamente, nos mobilizar para que
ajustes sejam feitos no nosso ordenamento jurídico e nas práticas sociais. É preciso penas
mais rígidas para corruptos, revisão da forma de governo, do
sistema eleitoral? Seja qual for a mudança, é ela que deve
mobilizar e levar milhões às ruas. Não o ódio, não a vingança,
não o revanchismo. O problema é que no Brasil, a cada crise
econômica ou social, corresponde uma ainda maior:
a crise da ignorância.